Hoje cedo, me lembrei de André: um amigo que já se foi deste mundo. André era bonito, alegre e gay. Foi ele que me ensinou que os gays não são todos iguais.
Era a época da novela Tititi, a original, e todas as brasileiras queriam ter um vestido no estilo do costureiro Vítor Valentim, principal personagem da novela. Eu e André estávamos saindo da minha casa e ele me contava sobre o vestido de sua irmã, branco e justo no mais fiel estilo Vítor Valentim. De repente, ele parou e bateu com os dois pés nos chão, com jeito de criança birrenta, e disse: Oh, meu Deus, porque é que eu não sou mulher?
Confesso que aquele comentário, vindo do meu amigo, me chocou. Mais tarde, conheci gays com personalidades e estilos diferentes e percebi que a condição de gay é apenas uma característica, assim como a condição de hétero, uma característica entre tantas; e que, como os héteros, os gays são diferentes uns dos outros e há muitas diferenças entre seus desejos e aspirações individuais.
No final da década de 1980, veio ao conhecimento do mundo a Síndrome da Insuficiência Imunológica Adquirida, hoje conhecida como AIDS, que iria modificar comportamentos e minar nossa inocência. Pegos de surpresa, sucediam-se as notícias, primeiro de gente famosa: Cazuza e sua resistência , Lauro Corona, Fred Mercury e Carlos Augusto Strazzer foram alguns.
Um dia, recebi “a notícia” sobre meu amigo André. Eu não o via há algum tempo e fiquei triste. Os tratamentos apenas começavam a ser desenvolvidos e o diagnóstico era praticamente uma sentença de morte. Os primeiros casos foram terríveis: outro amigo contraíra o vírus e perdera a visão antes de morrer.
Logo depois, encontrei André na fila do cinema: parecia saudável e usava barba. Me abraçou. Sabia-se pouco sobre o contágio mas não tive coragem de negar –lhe um abraço. André falou claramente sobre a doença e me indicou um livro que falava sobre a morte: “não vejo a hora de ir”, me disse ele.
Saí dali com uma sensação estranha: meu amigo, jovem, belo e aparentemente cheio de vida, falando sobre a própria morte como algo próximo e até desejado.
Li o livro indicado mas não achei nele o mesmo encanto. Pudera, nossas situações eram muito diferentes.
Uns dois anos depois, soube que André morrera. Hoje cedo, cantarolando a música Mãe, de Caetano Veloso, me veio à lembrança essa história breve.
André chorava sempre que eu cantava essa música nas rodas de violão:
“Guitaras, salas, becos, mãe, é só porque não estás. És para mim e nada mais na boca das manhãs. Sou triste, quase um bicho triste e brilhas dentro aqui. Eu canto, choro, corro, rio e nunca chego a ti.”
Espero, querido André, que tenhas chegado ao Pai.
Também espero, Ceci.
ResponderExcluirHoje, ainda em confronto com a descoberta de um câncer que, parece curado, entendo as palavras do seu amigo. Li o Livro Tibetano do Morrer e do Viver. Os orientais têm mais facilidade de lidar com a morte. Eu estou tentando aprender isso, mas não é fácil. Talvez ele tenha conseguido...
Também perdi uma querida amiga de infância, Giseuda, vítima da Aids. Além dela, seu filho Daniel e o pai do bebê. Ficou somente a filha mais velha, com quem mantenho contato. Uma bela moça e forte pelos sofrimentos.
Belo texto. Saudades de Cazuza. Saudades de Lauro Corona. Compartilhando a dor das mães.
Beijos,
Fátima
Ainda que tenha a cultura oriental impregnada em mim, considero a morte dolorosa. Um belo texto...
ResponderExcluirDica de um filme que vi no Telecine, Incêndios, um ótimo filme. Fala sobre um casal de gêmeos que recebe um estranho testamento. O final eh surpreendente. Se puder ver, assista...
Abs Nozomi -Yuntaku
Vou procurar e assistir. Você sempre sugere filmes ótimos. Inclusive os que me enviou.
ResponderExcluirOutro dia, vi um trecho de um filme muito interessante na TV: "Destinos cruzados". Gira em torno do tema da adoção. MUito bom.
Ana Cecília