terça-feira, 5 de julho de 2011

Olha pro céu, meu amor


“Olha pro céu, meu amor

Vê como ele está lindo,
Olha pr’aquele balão multicor
Que lá no céu vai sumindo”

A época das festas juninas, para mim, é marcada por muita saudade.  Em Brasília, cidade onde moro, a noite de São João parece uma noite como outra qualquer, mas há fogueiras acesas no meu coração. Nessa noite, se fazem presentes lembranças da infância: a canjica fabricada na cozinha da nossa casa; um trabalhão feito com muitas peneiras, coadores e urupemas; o milho debulhado à mão, o ralador de coco, daqueles de sentar em cima, jogando os flocos branquinhos na trama escura do urupema, apoiado num banquinho tosco.  Minha mãe com o avental sujo de milho e coco, dizendo pela milésima vez que, no ano que vem, não faria nada! Tudo recompensado pelo creme amarelo, lindo, cozinhando no grande caldeirão até levantar as bolhas da fervura.  Depois, as grandes travessas cheias da canjica amarelinha, salpicada com a canela marrom.  Pamonhas amarradas na palha verde.  Bolo de fubá, pé-de-moleque com castanhas, amendoim e café...
O que eu mais gostava mesmo era do dia 24 de manhã.  Acordar e comer a canjica em ponto de cortar de faca, tirada da geladeira, com café quentinho.  Essa lembrança me traz lágrimas aos olhos, de saudade do afeto represado naquele doce.

A fogueira está queimando
Em homenagem a São João
O forró já começou
Vamos, gente, rasta-pé nesse salão.

Este ano, passei um pedaço da noite do dia 23 com uma amiga num shopping.  Ela, também pernambucana, compartilhava comigo a saudade.  Que alegria ao vermos, na ida pra minha casa, uma única fogueirinha acesa na rua.  Lá em casa, em Recife, a gente sempre dava um jeito de ter lenha para a fogueira.  Ali, queimávamos as nossas desilusões e assávamos milho verde e carne seca.  Quando as últimas achas estavam queimando, pulávamos a fogueira e nos tornávamos comadres.  Que alegria nessas brincadeiras inocentes!

São João disse
São Pedro aceitou
Vamos ser compadres
 que Jesus mandou

Nesse São João, após o passeio no shopping, terminei minha noite chorando.  A saudade misturou-se à dor, quando assisti ao Globo Repórter, cujo tema eram as festas de São João.  Quem viu deve lembrar-se que se tratou de uma família nordestina, que mora em São Paulo e, após muitos anos sem ver os parentes, voltava esse ano para visitá-los. Que tristeza ao ver aquele homem, um encanador, sem os dentes da frente, saindo de uma casa miserável, na periferia de São Paulo, com a mulher e os filhos, para uma visita à terra natal.
Lá, no interior da Paraíba, desembarcar de um avião, passagens compradas na promoção após muita economia, que, com certeza, significou sacrifícios na alimentação.  Viajaram de Van, por estrada de terra com muitos buracos, para encontrar a família da esposa.  Ali, uma senhora idosa, com muitos filhos e netos, abraçou a filha com a timidez de mostrar seus sentimentos em rede nacional. Casinha de taipa, fogão a carvão, terra seca, vegetação esquálida, mais pobreza, rostos tristes e marcados.

Sentada no meu sofá, diante da TV, vejo a imagem daquela mulher que há anos não via a mãe, esconder o rosto em seu pescoço chorando, e a câmera mostrando impiedosamente a vida de verdade, no rosto desenhado por rugas daquela mulher forte e digna.  Pensei que, apesar de tantas mudanças no país, de tantas geladeiras, computadores e fogões recém-comprados, minha gente nordestina continua a ser banguela e pobre, desnutrida e maltratada, desrespeitada e faminta. 

Juntou gente.  Afinal, um acontecimento a chegada daqueles familiares vindos de São Paulo, que eles só conhecem pela TV!
Entremeada à história deles, vieram as imagens dos animados forrós dançados em Campina Grande e Caruaru; outras danças lá do Piauí, os bois do Maranhão.  Tudo muito bonito mas o que me marcou mesmo foi aquele homem sem dentes, aquela família cujo único refresco na viagem  foram as duas horas passadas no avião quando uma aeromoça bem vestida e maquiada lhe ofereceu, solicita: o que deseja beber, senhor? 

Para mim, ir de pau-de-arara e voltar de avião é muito menos do que eles merecem.  Espero que a globo, pelo menos, lhe pague os implantes para uma dentadura que lhe restaure a dignidade e lhe permita sorrir, sem qualquer constrangimento, em sua próxima viagem de avião.      

4 comentários:

  1. Cecília,

    para mim, canjica é amarelinha, que minha mãe em Salvador prepara e sai distribuindo com toda a vizinhança. O ponto de cortar é manjar dos deuses, canela polvilhadinha por cima, o café quentinho esperando.

    Procuro aceitar a canjica branca, versão com amendoim do nosso mungunzá. Longe das fogueiras, procuro manter como posso acesas as chamas do meu coração.

    Olhando para o céu sim, que aqui sempre está lindo!

    Beijos!

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  2. Olá Ana
    Que texto maravilhoso! Emocionou.
    Aqui no Sul nao tenho tanta lembrança de festas juninas. No interior, misturam quermesses... Tem o frio absurdo.
    O que e urupema?
    A canjica deu água na boca!
    Nozomi

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  3. Oi Cecília,

    A canjica ficou ainda mais gostosa. Amo as festas juninas para mim é momento de reencontro com a família.

    bjs
    Newmann

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  4. Olá, Cecília!
    Li todos os seus textos e, confesso, fiquei emocionada! Como vc escreve bem! Deveria escrever um livro, pois sua forma de se expressar é muito poética e nos aguça a vontade de continuar lendo.
    O texto sobre "festas juninas" é maravilhoso! Sobre a canjica, adoraria comer essa versão "amarelinha" que vc contou, me deu água na boca, pois só conheço e sei fazer a branca, com coco, leite condensado e creme de leite.
    Enfim, doce Cecília, lendo os seus textos me tornei ainda mais a sua fã!
    Parabéns, e continue escrevendo para nosso "deleite".
    Bjs,
    SHIRLEY KUDO

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