quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Um início de ano diferente





Eu decididamente não estou triste.  Também não estou sentindo uma daquelas saudades cortantes, que doem fundo, como tantas vezes já senti.

 Inicio esse texto respondendo às perguntas que com certeza me farão quando eu disser o que decidi: passar a noite de ano novo em casa, acompanhada dos meus bichinhos.  E, embora não pareça, essa é uma decisão completamente feliz. 

Alguém com muita autoridade registrou, em algum lugar, a forma “correta” como as coisas devem ser feitas.  Por exemplo: sendo pernambucano ou baiano, a pessoa tem que gostar de Carnaval, sol quente, cerveja gelada e axé music.  Só sabe viver e se divertir aquele que adora noitadas regadas por muita bebida, muito beijo na boca de gente desconhecida  e outras cositas proibidas por lei.

Nas semanas que antecedem o natal, um ser humano decente deve freqüentar muitos shoppings, de preferência na última hora, enfrentar muitas filas, endividar-se bastante e , na noite em questão, empanturrar-se de peru e farofa até não poder mais.  Na noite de ano novo, sobre a qual tratamos aqui,  é preciso sentir uma alegria inebriante somente porque ao dia 31 de dezembro de um ano se seguirá o dia 1º de janeiro de outro, o que é nada mais nada menos do que um dia como outro qualquer depois de outro dia igual a tantos.

Tudo bem, entendo que nós precisamos de etapas, limites, linhas divisórias e dessa sensação de recomeço que a passagem de ano nos dá.  Por alguns momentos, às vezes dias, ficamos com a maravilhosa sensação de que tudo pode mudar, que podemos recomeçar quase do zero, modificando atitudes negativas, deixando para trás os hábitos que dão um momentâneo prazer para depois só prejudicar.  A passagem de ano nos permite sonhar que seremos, finalmente, do jeitinho que gostaríamos de ser.


Nada contra, também faço projetos.  Falo aqui sobre o exagero e a obrigatoriedade das formas de comemoração e declaro, a quem interessar possa, que no próximo sábado tomarei as providências de sempre: comprinhas no Tigrão, almoço no Girassol, cuidados com a beleza e, à noite, enquanto quase todo mundo estiver vestindo seus lindos trajes brancos e calçando saltos altos, eu vestirei algo confortável e assistirei à novela no sofá.  Meu gatinho Cacá estará deitado sobre a TV, a pontinha de sua cauda cobrindo um pouco da tela, enquanto  Fefê, minha gata, se instalará no encosto do sofá enquanto eu coço sua cabeça.  Talvez eu veja um filme ou simplesmente vá dormir, não sem antes pedir a Deus que proteja a todos, especialmente meu filho, irmãos e mãe, todos comemorando a chegada do novo ano.

 

Nesse fim de ano - que maravilha – não estarei em nenhuma festa, com os pés doendo, aparentando animação.  Estarei fazendo exatamente o que sempre quis fazer: também no final do ano, sem medo de julgamentos, escolher meu próprio jeito de ser feliz.       

 

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

FELIZ NATAL, FELIZ 2012

No primeiro natal após os meus quatro anos, acordei e vi meu pai colocando balões na grade do berço.  Fechei os olhos porque queria continuar a crer no Papai Noel.  Hoje, agradeço porque tive pais que encheram minha infância de sonho e fantasia. 

Na escola primária, sendo uma menina aplicada e bem-comportada, sofria a implicância dos meninos, que me apelidaram de “Tamba”.  Na época, fazia sucesso na TV, uma série chamada “Jim das Selvas”, e Tamba era uma macaca, animal de estimação da família de Jim.  Não me lembro de ter-me incomodado muito com esse apelido, mas minha mãe, sim.  Ainda me recordo do seu jeito indignado e da frase que se tornou uma linda recordação para mim: “vou lá na escola conversar com a diretora, minha filha não é macaca não!”.  Ao lembrar esse episódio, agradeço por ter pais que me protegiam e cuidavam de mim.

Após a formatura, fiz meu primeiro concurso: oficial da Marinha, no Rio de Janeiro.  Meu pai havia se aposentado e estávamos nos adaptando à diminuição da renda.  Meu irmão Gustavo, que começara a trabalhar recentemente, ajudou na compra da passagem e me deu um dinheirinho para gastar.  Infelizmente, Deus o levou muito cedo, provavelmente por conta de sua bondade.  Agradeço a oportunidade de tê-lo como irmão e a herança que recebemos: dois sobrinhos maravilhosos!

 Não fui feliz no concurso da Marinha (Deus sabe o que faz!).  Tentava o concurso para uma estatal, quando a Editora Abril lançou apostilas com exercícios.  Mandei uma carta para um amigo e ele me enviou o dinheiro para as apostilas.  Quanta gratidão eu sinto ao lembrar que tenho amigos dispostos a me ajudar. 

Há dois anos, estava em Balneário Camboriú quando meu filho ligou, pedindo, pela milésima vez, para ter um animal de estimação.  Dessa vez, queria ficar com uma gatinha que acabara de fazer uma esterilização.  O que aconteceu depois dessa ligação pode se resumir em dois verbos: ceder e apaixonar-se.  Assim, agradeço por ter um filho que me ensinou a amar os animais.    

O tempo foi passando e, até hoje, vejo que tenho muito a agradecer: amigos que me estimulam a aprender continuamente, colegas que são os companheiros de todos os dias, um filho que me traz muitas oportunidades de aprendizado, saúde para trabalhar, um corpo em perfeito funcionamento, capacidade para amar e tantas, tantas outras bênçãos, que poderia escrever ainda muitas laudas.

Neste fim de ano, convido-os a deixar um pouco de lado os sonhos não realizados, os desejos não satisfeitos, os planos não concretizados... e AGRADECER por todas as benção recebidas, coisas que muitas vezes nos parecem tão pequenas, mas como seria difícil viver sem elas!



Feliz Natal, feliz 2012!  

        

domingo, 4 de dezembro de 2011

A PELE QUE HABITO

O cinema estava cheio, o que é surpreendente para uma tarde de domingo, quando o ingresso é mais caro e a preferência recai sobre as comédias, românticas ou simplesmente engraçadas.
No final, e posso dizer que o final sugere outro filme, alguém no fundo da sala insinuou aplausos.  Quanto a mim, posso dizer apenas que A pele que habito, mais recente criação do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, pode até não agradar, porém jamais será esquecida.
Drumond.com.br
Assim como nas tragédias gregas, o herói parece estar condenado à morte, pois a situação em que se colocou não tem saída.  Por outro lado, quem será mesmo o “herói”? O cirurgião Robert Ledgard, interpetado por Antonio Banderas, que fere a ética científica ao entrar no campo proibido da transgênese com seres humanos?  Ou a empregada Marília, que fala com tanta naturalidade em matar Vera, a estranha mulher sobre quem Robert cria sua pele artificial e perfeita?

                                                  Entretimento.r7.com

À medida que o drama se desenrola, com suas tintas melodramáticas, as perguntas se multiplicam na cabeça do expectador, e as surpresas são incessantes, porque a história é muito bem contada. Os personagens e situações vão surgindo e os fios da narrativa vão se alinhavando, até que a teia se forme numa súbita compreensão.  Daí é só acompanhar os passos de Robert, na busca de recriar o que a vida lhe tirou, a mulher que amava e que tenta desesperadamente reencontrar. 

Assistir A pele que habito é uma experiência perturbadora e, ao final, fica a pergunta: até onde a pele que habito determina realmente quem sou?  

Estadão.com.br














sábado, 26 de novembro de 2011

QUERIDA GIOVANA


No dia 08 de janeiro de 1996, morreu, em Paris, o presidente Francês François Mitterrand, após governar a França durante 16 anos.  No Brasil, mais precisamente, em Varginha, Minas Gerais, bombeiros socorreram uma estranha criatura identificada como extraterrestre.  Esse fato jamais foi totalmente esclarecido e até hoje se fala no “ET de Varginha” um mito que tenta provar, a quem não acredita, que existe vida em outros planetas. 

Esses fatos marcantes fazem parte da história recente; entretanto, para um casal brasileiro e sua família, o acontecimento mais importante do século foi o nascimento de um lindo bebê de cabelos e olhos escuros, uma menininha que mudaria sua vida para sempre. Nesse ano, no final de novembro, sua mãe trouxe à luz um novo ser, que dali por diante iluminaria todas as vidas à sua volta.

Seus pais a presentearam com um nome de bela sonoridade e grafia elegante: Giovana, que significa “um grande presente de Deus”.  A passagem do tempo desenvolveu-lhe as formas e aguçou-lhe a inteligência; a vida tornou-a doce e prestativa. 

Hoje, dia 26 de novembro de 2011, você comemorará, com uma linda festa, os seus 15 anos, e essa idade é festejada porque significa a transição entre ser menina e ser mulher.  Felizmente, embora essa transição seja marcada por uma festa, você não se sentirá tão diferente ao acordar na manhã do dia 27, pois as mudanças são lentas e chegam quando menos se espera. Virá, então, o tempo das primeiras vezes: o primeiro estremecimento de emoção diante de um garoto; o primeiro namorado, o primeiro beijo, a primeira festa sozinha, a primeira desilusão, as primeiras lágrimas de amor...

Abençoada como é, você terá, ao seu lado, uma mãe amorosa que não lhe deixará faltar apoio em forma de bons conselhos; e nada melhor que o colo da mãe para uma menina-moça-mulher que pensa estar passando pelo maior e mais interminável de todos os sofrimentos.  Quando isso acontecer, não se assuste: um belo dia, junto com o sol, você se surpreenderá ao perceber que a tempestade passou.

A certa altura da vida, você descobrirá que ser mulher não é fácil, mas tem suas compensações: podemos usar lindos vestidos, sentir-nos poderosas com saltos altíssimos, nos embelezar com vários tipos de maquiagem, jóias e bijuterias... 
Podemos ter filhos ou mesmo adotá-los, e ter com eles uma ligação especial; temos a capacidade indubitável de prestar atenção a várias coisas ao mesmo tempo.  Podemos costurar, ver TV e conversar, tudo de uma só vez, e achamos objetos perdidos com muito mais facilidade que os homens.

Em contrapartida, precisamos enfrentar preconceitos pelo simples fatos de sermos mulheres e às vezes trabalhamos mais e ganhamos menos, também por esse motivo.  Em algumas ocasiões, você não saberá direito o que fazer, mas, felizmente, você tem uma família equilibrada e sempre poderá contar com ela.  Seu pai lhe dará excelentes conselhos profissionais e sua irmã será a companheira para compartilhar todos os deliciosos segredos.   

Para terminar, querida Giovana, receba meus parabéns pela maravilhosa pessoa que você é, inspiração para todos com quem convive.

Afinal, quem não gostaria de ter uma filha, irmã ou amiga como você?

Receba meu abraço carinhoso e os votos de um feliz desabrochar!

 

domingo, 20 de novembro de 2011

3 dicas de filmes pra assistir no DVD

Se você acha que não tem nenhum filme interessante nos cinemas ou simplesmente não está a fim de sair  de casa, sugiro que ligue pra sua locadora e peça um desses filmes que vou indicar.  Eu gostei e acho que você também vai gostar.

Sábado de manhã,  tinha mil coisas para resolver, por isso acordei cedo.  Sintonizei no telecine e ahhhhh, estavam exibindo Simplesmente Marta ! Entre um cochilo e outro, revi alguns trechos e  resolvi compartilhar.  Simplesmente Marta é sobre uma chef de cozinha que se dedica apenas ao trabalho, não deixando lugar em sua vida para qualquer tipo de relacionamento, a não ser com a irmã, que mora em outra cidade. Mas, quando a gente resolve deixar tudo como está, as mudanças acontecem a nossa volta.  Então, não tem outro jeito: precisamos mudar também.  Esse filme trata de assuntos sérios com leveza mas sem superficialidade. E tem uma das cenas mais sensuais a que já assisti.
Simplesmente Martha - Cartaz

Título original: (Bella Martha)
Lançamento: 2001 (Alemanha)
Direção: Sandra Nettelbeck
Atores: Martina Gedeck, Maxine Foerste, Sergio Castellito, August Zirner.
Duração: 105 min
Fonte: adorocinema.com

O título do filme Quando me apaixono  sugere uma comédia do tipo "água com açucar". Engano: é um filme sobre relacionamentos, principalmente entre pais e filhos. A personagem April, interpretada por Helen Hunt, (de Melhor é Impossível) está próxima dos quarenta anos, é casada e quer muito ter um filho.
Sendo filha adotiva, ela não vê muito sentido em adotar: quer ter seu próprio filho, mas sonha também em encontrar sua mãe biológica.
Adoro a cena em que o irmão (adotivo) de April diz: "Você acha terrível ser filha adotiva? E o que me diz de ser filho legítimo? As cobranças, a superproteção..."  
Quando me Apaixono - Cartaz
Título original: (Then She Found Me)
Lançamento: 2008 (EUA)
Direção: Helen Hunt
Atores: Helen Hunt, Bette Midler, Colin Firth, Matthew Broderick.
Duração: 100 min
Fonte: adorocinema.com

A ação de As Melhores Coisas do Mundo se desenvolve num colégio de segundo grau.  Seus personagens são jovens cheios de hormônios, incertezas e vontade de viver.  O filme fala do crescimento desses jovens, por meio dos relacionamentos entre eles mesmos e com seus professores e pais.  A direção é de Lais Bodansky, que dirigiu o premiado Bicho de 7 cabeças, com Rodrigo Santoro.  Em As melhores coisas do Mundo ela trata de temas modernos como a utilização da internet  e de temas antigos, mas que só agora passaram a ser dicutidos abertamente, como o bullying e o homossexualismo.  Gostei demais!


Capa do filme As Melhores Coisas do Mundo
Direção: Lais Bodansky
Roteiro:  Luiz Bolognesi
Atores:   Denise Fraga, Francisco Miguez, Gabriela Rocha, Caio Blat, Fiuk.
Fonte:  adorocinema.com

domingo, 13 de novembro de 2011

POUCAS PALAVRAS

"Nós temos a nossa honra", disse o policial Disraeli e dois aspectos dessa frase me encantaram: O primeiro, a palavra "honra", tão pouco pronunciada no momento que vivemos.  O segundo é que a frase foi dita no plural, o que lhe confere a plena consciência de  fazer parte de um grupo.

Mais tarde, numa entrevista, Disraeli disse: "se aceitasse aquele dinheiro, não poderia encarar minha família, meu pai e meus filhos."  "Procuro transmitir os valores que aprendi com meu pai, que acredito serem os melhores".

Depois, pegou seu quepe, pendurou nas costas a mochila e ficou uma hora e dez minutos num trem até a estação mais próxima de sua casa; andou mais dez minutos a pé, abraçou a família e pode finalmente dormir, com "um sentimento bom de dever cumprido".

Talvez ele nem imagine o quanto encheu de esperança o coração de tantos brasileiros.  Sou-lhe grata por isso.


                                             Fonte: marcoaureliodeca.com.br

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O CADERNO

Eu limpava os moveis da sala, enquanto minha mãe conversava com nossa empregada: as duas sentadas à mesa, com o caderno misterioso entre elas.  Eu já perguntara sobre o caderno a Lia, mas recebera respostas evasivas, o que só serviu para aumentar-lhe o mistério.

Naquele dia, pelo tom cochichado da conversa, percebi que teríamos novidades.  Curiosíssima, tratei de agir de forma metódica e silenciosa, levantando cuidadosamente cada paninho de crochê branco que adornava os móveis escuros, tirando a poeira com capricho, enquanto deixava os ouvidos bem atentos.  Mas nada consegui apurar.

-Cilinha - chamou minha mãe.  Lá fui eu, coração acelerado sem saber o que estava por vir.  Mamãe iniciou uma conversa longa e atrapalhada enquanto o caderno mudava de posição em suas mãos.  - Nada não, concluiu - vai terminar seu serviço. 
Fui: a curiosidade, aguçada por aquela conversa, tornando-me mais lenta e silenciosa.
-    Cilinha! – chamou mamãe pela segunda vez.  Obedeci e deu-se uma conversa parecida com a outra, cheia de reticências e sem sentido, seguida de uma nova dispensa.  Mas, dessa vez, enquanto voltava para minha limpeza, ligando palavras soltas, uma luzinha se acendeu em minha mente.  Já sei! 
Veio o terceiro chamado e a mãe, cada vez mais atrapalhada, foi interrompida por mim. 
-      Não se preocupe, mainha – disse, com ternura, aquela menina de 10 anos de idade, na longínqua década de 1960. -  Eu já sei o que a senhora quer me dizer : é sobre menstruação, não é?  Uma moça foi lá no colégio e explicou tudo, fazendo propaganda do modess.
O modess, que por muito tempo emprestou o nome ao absorvente íntimo, como acontece com a gilete e a xerox, por exemplo, chamava-se  “Absorvente higiênico Modess Pétala Macia” e uma de suas formas de divulgação era uma fotonovela de uma página onde a mocinha dizia estar “naqueles dias”.  Eu, que adorava fotonovelas, lia a historinha sem saber o significado daquela expressão.

Mamãe sorriu, aliviada, e me abraçou.  O caderno, disse Lia, é onde a gente anota as datas e escreve pensamentos sobre "ser moça", por isso não podia te mostrar.   Fiquei feliz e temerosa.  Agora eu sabia oficialmente o que era menstruação, mas quando chegaria minha vez?  Desejei, secretamente, que demorasse muito, muito tempo.

O caderno

Eu limpava os moveis da sala, enquanto minha mãe conversava com nossa empregada: as duas sentadas à mesa, com o caderno misterioso entre elas.  Eu já perguntara sobre o caderno a Lia, mas recebera respostas evasivas, o que só serviu para aumentar-lhe o mistério.

Naquele dia, pelo tom cochichado da conversa, percebi que teríamos novidades.  Curiosíssima, tratei de agir de forma metódica e silenciosa, levantando cuidadosamente cada paninho de crochê branco que adornava os móveis escuros, tirando a poeira com capricho, enquanto deixava os ouvidos bem abertos.  Mas nada consegui apurar.

- Cilinha - chamou minha mãe.  Lá fui eu, coração acelerado sem saber o que estava por vir.  Mamãe iniciou uma conversa longa e atrapalhada enquanto o caderno mudava de posição em suas mãos.  - Nada não, concluiu - vai terminar seu serviço. 
Fui, a curiosidade, aguçada por aquela conversa, tornando-me mais lenta e silenciosa.
Cilinha! – chamou mamãe pela segunda vez.  Fui e deu-se uma conversa parecida com a outra, cheia de reticências e sem sentido, seguida de uma nova dispensa.  Mas, dessa vez, enquanto voltava para minha limpeza, ligando palavras soltas, uma luzinha se acendeu em minha mente.  Já sei! 
Veio o terceiro chamado e a mãe, cada vez mais atrapalhada, foi interrompida por mim. 
-                      Não se preocupe, mainha – disse, com ternura, aquela menina de 10 anos de idade, na longínqua década de 1960. -  Eu já sei o que a senhora quer me dizer : é sobre menstruação, não é?  Uma moça foi lá no colégio e explicou tudo, fazendo propaganda do modess.
O modess, que por muito tempo emprestou o nome ao absorvente íntimo, como acontece com a gilete e a xerox, por exemplo, chamava-se  “Absorvente higiênico Modess Pétala Macia” e uma de suas formas de divulgação era uma fotonovela de uma página onde a mocinha dizia estar “naqueles dias”.  Eu, que adorava fotonovelas, lia a historinha sem saber o significado daquela expressão.

Mamãe sorriu, aliviada, e me abraçou.  O caderno, disse Lia, é onde a gente anota as datas e escreve pensamentos sobre ser moça, por isso não podia te mostrar.   Fiquei feliz e temerosa.  Agora eu sabia oficialmente o que era menstruação, mas quando chegaria minha vez?  Desejei, secretamente, que demorasse muito, muito tempo.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

MEU RECIFE

Meu Recife voltei novamente,
Alegre contente
revendo meu povo de novo
Voltei, Recife, foi a saudade
que me trouxe pelo braço
quero ver novamente vassoura na rua passando
tomar umas e outras e cair no passo.
Voltei Recife - Capiba
É de fazer chorar
Quando o dia amanhece e eu vejo o frevo acabar.
Ah, quarta-feira ingrata!
Chega tão depressa, só pra contrariar.
(É de  fazer chorar - Luis Bandeira)
 Vejo o Recife prateado
à luz da lua que surgiu,
há um poema aos namorados
no céu e nas águas do rio,
um seresteiro um violão
anunciando o anoitecer
um sino ao longe a badalar
Recife inteiro vai render: 
Ave Maria aos pés do altar...

(Recife Manhã de Sol - J. Michiles)


Na alta madrugada o coro entoava
Do bloco a marcha "Regresso"
Que era um sucesso dos tempos ideais
Do velho Raul Moraes
Adeus, adeus minha gente
Que já cantamos bastante
Recife adormecia, ficava a sonhar
Ao som da triste melodia!

(Evocação nº1 - Nelson Ferreira)

domingo, 11 de setembro de 2011

CHEIROS, AROMAS, PERFUMES

Atravessava rapidamente uma avenida, quando algo me chamou a atenção: um aroma delicioso, caju !  Um vendedor atravessava em sentido contrário empurrando um carrinho cheio das frutas maduras.  Os perfumes nos trazem lembranças, adquirem um significado especial.  Esse lembrou-me uma história distante: fomos, eu e minha irmã,  passar um fim de semana numa casa de praia, cercada de mangueiras e cajueiros.  Ao final do passeio, fomos presenteadas com uma sacola de cajus.  Na volta para casa, esqueci meus cajus no carro da minha irmã  e tive que ir busca-los em sua casa depois do trabalho.  Embora muito cansada, estiquei a volta pra casa porque sonhava com um suco feito da fruta: sem caixinhas, conservantes ou corantes artificiais a interromper o caminho entre mim e a fruta deliciosa.  Porém, no momento de fazer o bendito suco, de tão ansiosa deixei escorregar a peneira e derramei tudo.  Sobraram as castanhas, a perfumar minha cozinha com seu cheiro ácido.   Mais um aprendizado.
O cheiro de caju é amarelo como ele.  Leva-me de volta à infância, em Recife, com seus quintais cheios de fruteiras: mangueiras, cajueiros, e jambeiros, que chamávamos “pé-de-árvore”.  Assim, tínhamos pé de pinha (fruta de conde), pé de mamão, pé de pitomba.  No quintal da minha casa, havia um enorme pé-de-jambo e minha mãe, que não trabalhava fora, fazia um pezinho de meia, vendendo ao balaeiro, grandes balaios cheios do jambo rosado.  Era sempre um acontecimento: o homem chegava com seus grandes cestos e sacudia a árvore carregadinha.  O chão ficava coberto das frutas pequenas em formato de cone.  Os balaios cheios eram trocados por maços de notas que minha mãe transformava em roupinhas especiais para os filhos e demais supérfluos não valorizados por nosso pai.  (foto: ceasacampinas.com.br)

Outro perfume que marcou minha infância foi o dos sabonetes “Alma de Flores”.  Talvez por sua origem humilde, mamãe tinha o hábito de guardar os presentes que ganhava. Em seu quarto,  a gaveta mais alta da cômoda era destinada a  guardar sabonetes, perfumes, toalhas.   E os sabonetes “Almas de Flores” eram o cheiro predominante.

O inesquecível dramaturgo Nelson Rodrigues, divisor de águas do teatro brasileiro,  mantinha profunda ligação com os cheiros e utilizou-os largamente em sua obra.  Para ele, o Recife, onde passou parte de sua infância, tinha cheiro de pitangas, as frutinhas vermelhas em forma de botões de flor, tão típicas daquela região.  No curso de formação do ator, em 1988, montamos a peça Vestido de Noiva, de Nelson, encenada num antigo casarão. Todos os dias, antes do espetáculo, aspergíamos essências diferentes nos diversos ambientes da história: uma igreja, um bordel, um velório.... os expectadores nos diziam que esses cheiros tornavam o espetáculo uma experiência inebriante.

Quem ainda não leu ou assistiu a “O Perfume”, de Patrick Suskind, deve fazê-lo com urgência.   Seu personagem principal é um homem que não exala qualquer cheiro, mas possui um olfato extremamente desenvolvido e dedica sua vida à busca de um perfume idealizado, que o torne atraente.   Uma história envolvente cujo final surpreende.
A música FLOR DA PAISAGEM, DE Robertinho do Recife e Fausto Nilo, traz uma imagem belíssima, na qual o poeta refere-se aos olhos de sua amada:
“... Azul de prata meu litoral/dois brincos de pedra rara/riacho de água clara, roupa com cheiro de mala!”

Outro dia, liguei para um setor da empresa em que trabalho, que fica lá na minha terra natal.  Na despedida, a colega me disse: quando vier a Recife, passa aqui “pra gente te dar um cheiro”.  Para quem ainda não sabe, o “cheiro” como carinho, faz parte da cultura nordestina.  Mamãe costuma despedir-se com um cheiro na maçã do rosto.  Meu amigo Luiz me envia de vez em quando “um cheiro no olho” e minha amiga Fernanda, pernambucana da gema,  manda um cheiro ao final de seus e-mails.  E você, conhece o cheiro como forma de expressar afeto?
bjsnaomeliga.blogspot.com






segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Cacá e o sol

Cacá, por estes dias, está encantado com o sol.  Ontem, ao sair para trabalhar, deixei-o sobre a mesa, tentando resgatar os reflexos de luz que brincavam sobre o vidro de um quadro.  Tão bela aquela imagem: a carinha delicada do gato, seus olhos verde-água acompanhando perplexos o movimento da luz!

Hoje, no mesmo horário, ouvi seu chamado insistente e fui até a sala.

- O que é que há, meu amor?    Acompanhei a inclinação de sua cabeça para encontrar o motivo de tanta inquietação: uma fina réstia de sol desenhava-se no teto, da janela até a parede frontal.  Olhando para ela, Cacá miava, aflito.

Juntei as duas abas da cortina para terminar como o motivo de sua inquietação.

E saí pensando que, muitas vezes, agimos como o meu gatinho: nos assustamos com alguma coisa, simplesmente por ser desconhecida.  E fugimos, deixando de aprender ou experimentar algo novo.  Deixando de viver novas experiências, sem ao menos tentar.  Igualzinho  ao gato com pelo dourado, que teme a luz do sol da qual ele mesmo foi tecido.   

domingo, 31 de julho de 2011

DIA DOS PAIS


O Dia dos Pais se aproxima e, com ele, começa o corre-corre pelas lojas em busca de presentes. A TV, por sua vez, enche nossas telas com a propaganda que busca nos convencer de que os mais variados objetos vão trazer felicidade e realização para essa pessoa tão significativa em nossa vida. Embora em menor escala que o Dia das Mães, queixa muitas vezes repetida pelos homens, o Dia dos Pais, como outros dias comemorativos, também atrai muitos compradores às lojas, ansiosos por agradar pais, maridos e sogros, retribuindo com um agrado, o muito de atenção e carinho recebidos, muita vezes durante toda uma vida.
Meu pai partiu desse mundo há muito tempo, e a única coisa que posso fazer por ele, no segundo domingo de agosto, é uma oração; mas, se ele estivesse vivo, eu o presentearia, no Dia dos Pais, com algo que, no mundo de hoje, falta para todo mundo. Eu lhe daria um pouco de...TEMPO.

Mas, como presentear com TEMPO, se já o tenho em tão pouca quantidade?  Aí é que está o encanto desse desafio: doar algo que não se compra com dinheiro e de quebra, criar mais uma oportunidade de aprender a administrá-lo. 

Da mesma forma que qualquer presente, o TEMPO precisa ser personalizado de acordo com as necessidades e gostos do presenteado, e você vai despender tempo para pensar na pessoa, o que já é, em si, um presente.

Para ajuda-lo, pensei em algumas sugestões que servem para qualquer dia: dos pais, das mães, das crianças, sogros, mulheres, ou qualquer dia em que você queira, simplesmente, ser gentil:

1.    Arrume os armários dele
2.    Faça um belo café da manhã
3.    Substitua-o por alguns dias, numa tarefa habitual (lave os pratos por uma semana, faça o almoço, leve o cachorro para passear).
4.    Vá ao cinema com ele e deixe que escolha o filme
5.    Organize seus documentos e/ou fotos
6.    Encontre uma coisa há muito perdida
7.    Resolva uma pendência
8.    Faça compras com muita paciência
9.    Faça pequenas costuras em suas roupas
10. Veja TV junto com ele
11. Simplesmente ouça o que ele tem a dizer

Enfim, é essa a proposta do “Amigadaspalavras” para o Dia dos Pais e todos os outros dias, comemorativos ou não: em lugar de gastar dinheiro e tempo em lojas e estacionamentos superlotados, presenteie com TEMPO as pessoas mais amadas e o tempo te agradecerá.     

Oração ao tempo  
                                                                  
(Caetano Veloso)  
                                                       
És um senhor tão bonito                                       
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo...

Compositor de destinos
Tambor de todos os rítmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo                                                                                                            blogfaby.blogspot.com
Tempo tempo tempo tempo...


Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo...


O que usaremos prá isso
Fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo tempo tempo tempo...
E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo...


Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo...
Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo...
      

terça-feira, 5 de julho de 2011

Olha pro céu, meu amor


“Olha pro céu, meu amor

Vê como ele está lindo,
Olha pr’aquele balão multicor
Que lá no céu vai sumindo”

A época das festas juninas, para mim, é marcada por muita saudade.  Em Brasília, cidade onde moro, a noite de São João parece uma noite como outra qualquer, mas há fogueiras acesas no meu coração. Nessa noite, se fazem presentes lembranças da infância: a canjica fabricada na cozinha da nossa casa; um trabalhão feito com muitas peneiras, coadores e urupemas; o milho debulhado à mão, o ralador de coco, daqueles de sentar em cima, jogando os flocos branquinhos na trama escura do urupema, apoiado num banquinho tosco.  Minha mãe com o avental sujo de milho e coco, dizendo pela milésima vez que, no ano que vem, não faria nada! Tudo recompensado pelo creme amarelo, lindo, cozinhando no grande caldeirão até levantar as bolhas da fervura.  Depois, as grandes travessas cheias da canjica amarelinha, salpicada com a canela marrom.  Pamonhas amarradas na palha verde.  Bolo de fubá, pé-de-moleque com castanhas, amendoim e café...
O que eu mais gostava mesmo era do dia 24 de manhã.  Acordar e comer a canjica em ponto de cortar de faca, tirada da geladeira, com café quentinho.  Essa lembrança me traz lágrimas aos olhos, de saudade do afeto represado naquele doce.

A fogueira está queimando
Em homenagem a São João
O forró já começou
Vamos, gente, rasta-pé nesse salão.

Este ano, passei um pedaço da noite do dia 23 com uma amiga num shopping.  Ela, também pernambucana, compartilhava comigo a saudade.  Que alegria ao vermos, na ida pra minha casa, uma única fogueirinha acesa na rua.  Lá em casa, em Recife, a gente sempre dava um jeito de ter lenha para a fogueira.  Ali, queimávamos as nossas desilusões e assávamos milho verde e carne seca.  Quando as últimas achas estavam queimando, pulávamos a fogueira e nos tornávamos comadres.  Que alegria nessas brincadeiras inocentes!

São João disse
São Pedro aceitou
Vamos ser compadres
 que Jesus mandou

Nesse São João, após o passeio no shopping, terminei minha noite chorando.  A saudade misturou-se à dor, quando assisti ao Globo Repórter, cujo tema eram as festas de São João.  Quem viu deve lembrar-se que se tratou de uma família nordestina, que mora em São Paulo e, após muitos anos sem ver os parentes, voltava esse ano para visitá-los. Que tristeza ao ver aquele homem, um encanador, sem os dentes da frente, saindo de uma casa miserável, na periferia de São Paulo, com a mulher e os filhos, para uma visita à terra natal.
Lá, no interior da Paraíba, desembarcar de um avião, passagens compradas na promoção após muita economia, que, com certeza, significou sacrifícios na alimentação.  Viajaram de Van, por estrada de terra com muitos buracos, para encontrar a família da esposa.  Ali, uma senhora idosa, com muitos filhos e netos, abraçou a filha com a timidez de mostrar seus sentimentos em rede nacional. Casinha de taipa, fogão a carvão, terra seca, vegetação esquálida, mais pobreza, rostos tristes e marcados.

Sentada no meu sofá, diante da TV, vejo a imagem daquela mulher que há anos não via a mãe, esconder o rosto em seu pescoço chorando, e a câmera mostrando impiedosamente a vida de verdade, no rosto desenhado por rugas daquela mulher forte e digna.  Pensei que, apesar de tantas mudanças no país, de tantas geladeiras, computadores e fogões recém-comprados, minha gente nordestina continua a ser banguela e pobre, desnutrida e maltratada, desrespeitada e faminta. 

Juntou gente.  Afinal, um acontecimento a chegada daqueles familiares vindos de São Paulo, que eles só conhecem pela TV!
Entremeada à história deles, vieram as imagens dos animados forrós dançados em Campina Grande e Caruaru; outras danças lá do Piauí, os bois do Maranhão.  Tudo muito bonito mas o que me marcou mesmo foi aquele homem sem dentes, aquela família cujo único refresco na viagem  foram as duas horas passadas no avião quando uma aeromoça bem vestida e maquiada lhe ofereceu, solicita: o que deseja beber, senhor? 

Para mim, ir de pau-de-arara e voltar de avião é muito menos do que eles merecem.  Espero que a globo, pelo menos, lhe pague os implantes para uma dentadura que lhe restaure a dignidade e lhe permita sorrir, sem qualquer constrangimento, em sua próxima viagem de avião.