Minha infância foi
muito diferente da infância de hoje: não havia danoninho, vídeo game, barra de
chocolate gigante, sobremesa lactea com bolinhas coloridas, ônibus escolar, TV
a cabo, celulares que até fazem ligações...
A gente só via comida
de festa nas festas de aniversário dos amiguinhos ou no natal, únicas ocasiões
em que também tomávamos refrigerantes. O
dia a dia era feito de feijão com arroz, bife, purê de batatas, suco de frutas
frescas, doce de banana e goiaba feito em casa.
À noite, sopa de feijão com macarrão, aproveitando as sobras do feijão
do almoço, batata doce ou macaxeira com charque*, inhame com galinha guisada**,
pão francês assado com manteiga, queijo coalho...
Ao lembrar, minha
boca se enche de água e o coração, de afeto:
Minha mãe servindo a sopa e eu reclamando das folhinhas de coentro. A barrinha de chocolate laka branco que meu
pai trazia junto com a revista Intervalo e tinha o dom de transformar minha
vida num paraíso!
Que saudade! Era tudo tão mais simples! Papai criou uma espécie de promoção: o rei
das frutas. Cada filho tinha sua vez de
sair da banana e laranja de todo dia e ganhar frutas de todos os tipos: pinhas,
ameixas, sapotis, peras e maçãs. Uma
festa! Claro que não era apenas o rei ou
rainha das frutas que tinha o direito de degustá-las. Dentro do espírito fraterno em que éramos
educados, as frutas eram divididas entre os irmãos, mas o rei da fruta
permanecia com aquela sensação gostosa, consciente de sua momentânea realeza.
Eu aguardava
ansiosamente as festas de São João, pois adorava a comida de milho,
principalmente a canjica amarelinha, mexida no grande caldeirão. A manhã do dia 24 de junho era a mais gostosa
do ano: canjica gelada, bolo pé-de-moleque e café quentinho.
Em agosto, começavam
os aniversários. Eu morria de vergonha
de ser o centro das atenções, mas adorava o bolo confeitado, com recheio de
doce de leite e cobertura com gosto de limão.
Não havia gordura hidrogenada e tudo era mais saudável: açúcar fininho,
claras batidas em neve, suco de limão e anilina para dar cor. Os enfeites eram jujubas ou confetes
coloridos. O bolo era feito em casa, com
doses de paciência e amor. Junto, vinham
os brigadeiros enfeitados com confeitos coloridos, canudinhos, pastéis de festa
e guaraná.
No dia da festa, o
piso da nossa casa era forrado com folhas de goiabeira para perfumar. Toalha branca bordada, os primos chegando em
suas roupas domingueiras, os vizinhos e coleguinhas de escola. Abrir os presentes, comer bolo, cantar
parabéns...
No natal, a grande
estrela eram as empadas com recheio de camarão, desenformadas quentinhas,
grandes, tenras. A massa era feita com
banha de porco, o camarão era de verdade, mas jamais alguém ficou doente por
esse motivo. Não entediamos de nutrição, mas nossa alimentação era balanceada. Sabíamos que carne, ovo e leite eram fortes,
e que as frutas e verduras faziam bem.
Também não se freqüentava academias, mas os adultos gastavam as energias
nas tarefas domésticas e as crianças, nas brincadeiras de rua.
Mas o tempo, esse ingrato,
passou inexoravelmente, deixando no meu coração um suspiro de saudade.