domingo, 27 de março de 2011

Em outra vida

Faz muito, muito tempo! Tanto, que até parece outra vida, aquela em que minha mãe e eu, então com cinco ou seis anos, sentávamos ao lado do rádio para escutar novelas.  Ouvíamos as vozes dos atores; a sonoplastia, que emprestava realidade às cenas, e o resto ficava por conta da nossa imaginação.

Lembro-me, especialmente, de uma novela de rádio, cujo título era “Eu não creio nos homens”.  Anunciava-se assim: primeiro, ouvia-se a voz do locutor, dizendo: “Indústrias Gessy Lever apresentam!”  Em seguida, entrava a voz da atriz, com dramaticidade musical: “eu... não creio nos homens”.  A novela, claro, tratava das desilusões de uma moça ingênua que caia na lábia de um aproveitador, engravidava, sofria toda espécie de vexames e preconceitos mas, por fim, encontrava um príncipe encantado que casava com ela e os dois eram felizes para sempre. Jamais esqueci essa novela, principalmente seu início, tão peculiar.


O tempo passou, veio a Televisão, e nossa imaginação foi sendo cada vez menos exigida.  Lembro-me das primeiras novelas a que assisti na TV. As vizinhas vinham com os filhos, que novela não era coisa pra homem e, após encherem a sala de nossa casa, ficavam assistindo das janelas. Eu, pequena, me sentia importante por ser a única na rua a ter aquele aparelhinho mágico.  Lembro-me, especialmente, de duas novelas: Eu compro essa mulher e 25-499 ocupado.  Eu compro essa mulher tinha seus protagonistas interpretados por Yoná Magalhães e Carlos Alberto.  No capítulo em que a personagem ia dar à luz seu primeiro filho, fui proibida de assistir à novela.  Minha mãe me fez vestir um pijaminha verde, que eu odiava, e me mandou para a cama. As vizinhas, agora em menor quantidade, vieram e se postaram diante da TV.  Inconformada por estar perdendo aquela festa, utilizei toda minha potência vocal para chorar bem alto.  Impedidas de ouvir as vozes dos atores por causa do meu berreiro, dona Lurdes e dona Judite intercederam por mim – deixa, Branca, a bichinha assistir.  Mamãe deixou e qual não foi minha decepção ao ver o que me haviam proibido: apenas o rosto de Yoná Magalhães, sua cabeça movendo-se com expressão de dor.  Prova de que a imaginação vai muito além da realidade.  

                                                                 oglobo.globo.com


Glória Meneses e Tarcísio Meira eram os protagonistas de 25-499 Ocupado: história de uma moça que mora num reformatório porque, quando criança, envolveu-se num acidente que culminou com a morte de outra menina, num orfanato. Por conta de seu bom comportamento, Emily trabalha como telefonista do reformatório e, graças a uma linha cruzada, fica conhecendo Larry, jovem advogado que se apaixona por sua bela voz.  O idílio amoroso acontece por telefone, pois Emily não deseja que Larry saiba de sua condição de presidiária, mas, quando enfim o dois se cruzam, acontece o inevitável e desejado, “felizes para sempre”. O que me entristecia nessa novela era o nome da vilã.  A mulher que tanto atormentava a vida de Emily chamava-se Cecília, como eu. 
                                                      overmundo.com.br


Os cinemas de bairro também fizeram parte da minha infância.  Perto da minha casa, existiam dois: o Cinema Modelo e o Cine Torre.  No modelo, assisti a Marcelino Pão e Vinho, filme em que o menino Marcelino, criado por religiosos, cantava a plenos pulmões.  Desse filme, foi a música o que mais me marcou.

A Noviça Rebelde é o filme da minha infância, assistido muito antes que houvesse lanchonetes nos cinemas e que as pipocas fossem mais caras que a programação.  Com 3 horas de projeção, o filme tinha intervalo e, avisada por minhas tias, mamãe nos preparou um farnel com sanduíches.

Um sonho! É a impressão que esse filme me deixou, com tantas músicas maravilhosas e tão belas paisagens.  O cinema era o São Luiz, que fica no centro de Recife e no qual os homens, naquela época, só podiam entrar vestindo terno.  O Cine São Luiz, após séria ameaça de extinção, ainda lá permanece, com suas pesadas cortinas de veludo e audição de músicas orquestradas, enquanto não começa a projeção.
                                                              manequim.abril.com. br
Os livros costumam me fazer companhia e devo a eles grandes alegrias e muita emoção.  Quando criança, sonhava em poder comprar muitos deles.  Mais tarde, quando me via diante de um fim de semana solitário, comprava um livro e passava os dias nessa companhia maravilhosa.  Assim aconteceu com O enigma do 8, cuja leitura me proporcionou momentos empolgantes.
Às vezes, me sentia meio culpada por comprar mais livros do que consigo ler, até que ouvi a filósofa Márcia Tiburi falar sobre sua afinidade com eles: “às vezes – dizia ela – leio apenas um capítulo ou página, mas gosto de ter o livro ali, perto de mim. Eles me fazem companhia”.
                  
 
Dentre os livros mais significativos na minha vida, estão: A Casa dos Espíritos e Paula, de Isabel Allende, As Boas Mulheres da China e Moça com brinco de Pérola.  Sem falar em José de Alencar e Érico Veríssimo, companheiros da adolescente tímida que fui.

Essas reminiscências vieram por conta da leitura de um artigo, que prognostica o fim do livro impresso.  Pensando na minha experiência de vida, penso que coisas como o rádio, a TV, o livro e o cinema jamais acabarão. O rádio, embora não mais apresente novelas, continua firme como veículo de comunicação. A televisão, apesar das inúmeras críticas, merecidas ou não, continua a levar aos lares, entretenimento, educação e informação. Quanto ao cinema, apesar do vídeo-cassete, do DVD e do Blue Ray, nada se iguala à magia de sentar-se numa sala escura, com um monte de gente desconhecida, diante de uma tela grande, e desvendar o mistério de um novo filme.  Da mesma forma, nada se compara a deitar-se com um livro e pegar no sono no momento em que as letras começam a se embaralhar.  Ou sentar-se à tarde, com a janela aberta, e se envolver com as histórias magicamente narradas naquelas páginas.  E os pais, que ainda lêem contos de fadas para os filhos pequenos, criando momentos de magia e compartilhamento?  Quantos personagens de livros e filmes povoaram e ainda povoam nossos sonhos e fantasias?

Acho importante estar "por dentro" da modernidade, utilizar computadores, lap tops, iPods, iPads e iPhones, papear pelo MSN e ter perfil no Orkut, mas também acredito na beleza e poesia das coisas perenes, que mudam de roupagem, mas são permanentes em sua essência.

Ana Cecília

2 comentários:

  1. Olá Ana Cecilia
    Sobre a modernidade, não consigo mais viver sem o Youtube e o Google. Adoro livros e da Isabel Allende, li também o romance Inês de Minhalma que é maravilhoso.
    Sobre não saber dizer não, eu tinha esse problema e achava que era porque sou mulher, japa, mãe, irmã mais velha de muitos irmãos, libriana... mas é só com o tempo e quando acontece uns excessos que a gente aprende...
    Nozomi Yuntaku
    http://tiampuru.zip.net

    ResponderExcluir
  2. Adorei o post... :) Já ri bastante lendo aqui imaginando as cenas!
    E concordo com sua conclusão... é bom acompanhar o desenvolvimento tecnológico, mas sem esquecer tudo o que existe até chegar em toda essa modernidade.
    Bjim
    Pri

    ResponderExcluir