domingo, 9 de dezembro de 2012

COMIDA E AFETO


Minha infância foi muito diferente da infância de hoje: não havia danoninho, vídeo game, barra de chocolate gigante, sobremesa lactea com bolinhas coloridas, ônibus escolar, TV a cabo, celulares que até fazem ligações...
 
A gente só via comida de festa nas festas de aniversário dos amiguinhos ou no natal, únicas ocasiões em que também tomávamos refrigerantes.  O dia a dia era feito de feijão com arroz, bife, purê de batatas, suco de frutas frescas, doce de banana e goiaba feito em casa.  À noite, sopa de feijão com macarrão, aproveitando as sobras do feijão do almoço, batata doce ou macaxeira com charque*, inhame com galinha guisada**, pão francês assado com manteiga, queijo coalho...
 
Ao lembrar, minha boca se enche de água e o coração, de afeto:  Minha mãe servindo a sopa e eu reclamando das folhinhas de coentro.  A barrinha de chocolate laka branco que meu pai trazia junto com a revista Intervalo e tinha o dom de transformar minha vida num paraíso!
 

Que saudade!  Era tudo tão mais simples!  Papai criou uma espécie de promoção: o rei das frutas.  Cada filho tinha sua vez de sair da banana e laranja de todo dia e ganhar frutas de todos os tipos: pinhas, ameixas, sapotis, peras e maçãs.  Uma festa!  Claro que não era apenas o rei ou rainha das frutas que tinha o direito de degustá-las.  Dentro do espírito fraterno em que éramos educados, as frutas eram divididas entre os irmãos, mas o rei da fruta permanecia com aquela sensação gostosa, consciente de sua momentânea realeza.

Eu aguardava ansiosamente as festas de São João, pois adorava a comida de milho, principalmente a canjica amarelinha, mexida no grande caldeirão.  A manhã do dia 24 de junho era a mais gostosa do ano: canjica gelada, bolo pé-de-moleque e café quentinho.

Em agosto, começavam os aniversários.  Eu morria de vergonha de ser o centro das atenções, mas adorava o bolo confeitado, com recheio de doce de leite e cobertura com gosto de limão.  Não havia gordura hidrogenada e tudo era mais saudável: açúcar fininho, claras batidas em neve, suco de limão e anilina para dar cor.  Os enfeites eram jujubas ou confetes coloridos.  O bolo era feito em casa, com doses de paciência e amor.  Junto, vinham os brigadeiros enfeitados com confeitos coloridos, canudinhos, pastéis de festa e guaraná.
No dia da festa, o piso da nossa casa era forrado com folhas de goiabeira para perfumar.  Toalha branca bordada, os primos chegando em suas roupas domingueiras, os vizinhos e coleguinhas de escola.  Abrir os presentes, comer bolo, cantar parabéns...

 

No natal, a grande estrela eram as empadas com recheio de camarão, desenformadas quentinhas, grandes, tenras.  A massa era feita com banha de porco, o camarão era de verdade, mas jamais alguém ficou doente por esse motivo. Não entediamos de nutrição, mas nossa alimentação era balanceada.  Sabíamos que carne, ovo e leite eram fortes, e que as frutas e verduras faziam bem.  Também não se freqüentava academias, mas os adultos gastavam as energias nas tarefas domésticas e as crianças, nas brincadeiras de rua.   
 

Mas o tempo, esse ingrato, passou inexoravelmente, deixando no meu coração um suspiro de saudade.         


 

 

 

 

 

 

 

 

Um comentário:

  1. Ceci,

    Viajei na minha infância pegando carona na sua.
    Que delícia!
    Beijo

    Lidu

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